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sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Ser ou não ser pastor


Fui pastor ordenado conforme o sistema religioso de uma denominação evangélica tradicional. Desde sempre questionava dentro de mim determinadas ordenanças compartilhadas em nosso meio, como por exemplo, a “fidelidade na entrega dos dízimos” com suas consequentes bênçãos, a filiação obrigatória a uma igreja denominacional, caso contrário não seria possível considerar-se “crente” e, consequentemente, salvo, a frequência regular ao culto dominical, entre outras coisas que fazem parte do espectro sagrado cristão.
Hoje, livre das amarras da religião institucional, sinto-me a vontade para falar de coisas que se fazem necessárias, e que todos precisamos e devemos saber. Não falo o que falo para que as pessoas abandonem as instituições religiosas, mas para que aquelas que têm uma experiência com Jesus, mas não fazem parte de um sistema religioso, não se sintam perdidas nem sozinhas. E também para que não sejam facilmente enganadas por qualquer um que as queiram arrebanhar para que façam parte de seus números também.
O assunto que trago agora é bastante delicado e sei que talvez ofenda a alguns, mas preciso trazê-lo. Ser pastor é bíblico ou não? Vi muitos crentes usando as palavras de Davi em relação ao pastor moderno que não se deve tocar no ungido do Senhor (1 Sm 26. 9-11; Sl 105. 15), porém, no Velho Testamento, Ungido é o Rei. Da mesma forma quando se usa a palavra pastor ou pastores se refere aos reis de Israel, exceto no Salmo 23 em que o Pastor é o Senhor de Davi, que também está declarando que o SENHOR (Deus) é o seu Rei.
A palavra pastor também é usada profusamente, tanto no Velho quanto no Novo Testamento para dar significado a um serviçal que cuidava de rebanhos que não lhes pertenciam, algo já abordado na postagem anterior. Portanto, pastor era um servidor que tomava conta de pequenos rebanhos, geralmente não mais que 30 ovelhas e que, se fosse muito bom, o Senhor o colocava a cargo de outros rebanhos e ainda que, caso chegasse à conta de uma centena tinha por direito a posse de uma das ovelhas de seus rebanhos, mas se perdesse uma por qualquer motivo, teria perdido aquela que contava como sua. Coisa que não se pode aplicar a quem se denomina pastor nos termos modernos, pois todos concordamos que as ovelhas do rebanho de Deus (igreja) pertencem única e exclusivamente a um único Pastor (Ec 12. 11; Jo 10. 10; 1 Pe 2. 25).
Fora dos Evangelhos, o termo pastor aparece três vezes em apenas dois textos bíblicos e, só se refere a um líder espiritual no livro de Hebreus (Hb 13. 7 e 17) a outra passagem se refere ao próprio Senhor (1 Pe 2. 25), as outras palavras usadas pela teologia moderna para dar sentido ao pastor de nossos dias são ancião (ou presbítero – transliteração do termo grego que tem como significado pessoa idônea, experiente, ou de idade a que se deva respeito) e bispo, que é uma latinização do grego “epíscopos” que significa supervisor ou cuidador.
De nenhuma forma vemos nos textos do Novo Testamento a designação de um líder único na igreja local, são diversos presbíteros ou diversos bispos em cada igreja local (At 11. 30; 14. 23; 20. 17; I Pe 5. 1 e outros), nem mesmo que sejam remunerados (At 20. 33; 1 Co 9. 14-18; 11. 1; Fp 3. 17). Na verdade a igreja tem um só Líder, o único Senhor (Ef 4. 5), o único Cabeça da igreja (Ef 5. 23).
Conforme a leitura de Efésios capítulo 4, o exercício pastoral nada mais é do que o exercício de um dom espiritual tal como o apostolado, a evangelização, a profecia e o ensino, não são cargos, mas ofícios, não vêm de formação acadêmica, mas por dom do Espírito Santo, ou seja, qualquer que Deus assim designar exercerá o ofício pastoral sem necessidade de cursos em seminários teológicos, ou qualquer outra instituição de ensino, da mesma forma não pode nem deve exigir qualquer compensação pelo exercício do dom, muito pelo contrário, deve devolver sempre mais do que recebeu (Mt 25. 20).
O pastor moderno não é bíblico, pois inibe o sacerdócio universal, o acesso direto a Deus e suas bênçãos, torna-se um intermediário em pé de igualdade com o padre católico ou os fariseus e sacerdotes da religião judaica dos tempos de Jesus, um mero sacerdote, algo já abolido pela Nova Aliança. Muitas vezes, sabendo ou não, são lobos cruéis (At 20. 29), mercenários (Jo 10. 12), falsos mestres de palavras fingidas (2 Pe 2. 1-3). Outras vezes até são pessoas bem intencionadas, mas que carecem de conhecer plenamente a Palavra de Deus, pois enxergam a fé com os óculos da religião.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

A igreja não é minha


Ouço frequentemente citações do tipo: “onde fica a sua igreja?”, “a minha igreja é muito animada”, “eu sou da igreja do pastor Reivaldo”, “eu sou ovelha do pastor Marionildo” ou o pastor do púlpito diz: “minha igreja” ou “minhas ovelhas”. Reviro-me dentro de mim sempre que ouço algo parecido com isso, pois de quem é realmente a igreja? Ou de quem são as ovelhas?
A Igreja não pertence a homens, não foi fundada por homens, foi fundada Pelo Espírito de Deus no dia de Pentecostes, sob a promessa do próprio Jesus. A Igreja não é apostólica, pois não foi fundada pelos apóstolos, a Igreja não tem denominação, aliás se há alguma denominação para a Igreja é “esposa de Cristo” (Ef 5. 21-33), “igreja de Deus” (1 Co 10.32 e outros), “congregação dos santos” (Sl 149. 1), mas nada registrado em cartório, apenas conforme registrado na Bíblia.
Pra começarmos a entender este problema percebemos que nenhum apóstolo declarou a igreja como sua. Não há nas cartas de João, Paulo, Tiago, Pedro ou Judas declaração de propriedade da igreja como sua, nem em Hebreus, nenhum deles ousou usar a expressão “minha igreja”, ou mesmo “minhas ovelhas”. O mais perto disso usado pelos apóstolos foi “filhos na Fé” (1 Tm 1. 2) ou “filhinhos” (Gl 4. 19; 1 Jo 2. 1 e outros), creio que com o mesmo sentido do anterior.
Jesus é o único nas Escrituras Cristãs a assumir um papel possessivo sobre a Igreja quando diz: “... edificarei a minha Igreja” (Mt 16. 18), ou mesmo sobre o rebanho quando diz: “as minhas ovelhas ouvem a minha voz, Eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10. 27), e não se contradisse quando orientou ao apóstolo: “Pedro, tu me amas?... apascenta as minhas ovelhas” Jo 21. 16-17). Ou seja, é sim Pedro quem apascenta, mas as ovelhas são de Jesus. E Pedro nunca disse o contrário. Aliás, na Palestina dos tempos de Jesus, os pastores não eram donos de ovelhas, mas serviçais dos fazendeiros, estes sim, senhores e donos dos rebanhos.
O que expressamos pela nossa boca se não expressa o que está dentro de nós acaba por nos definir. Tenhamos o devido cuidado de declarar apenas o que glorifique ao Senhor, e não a nós. “Sejam agradáveis as palavras da minha boca e a meditação do meu coração perante a tua face, Senhor, Rocha minha e Redentor meu!” Sl 19. 14.